Noturna paisagem
Na ânsia louca de
se banhar
a lua arrebenta no
penhasco
e num ponto distante
e insondável
o suicídio coletivo e
silencioso
de estrelas bebendo
o mar.
Espelhos do tempo
O rumor das ausências
visitando os espelhos do tempo
alimenta a sede do poema
embriaga o silêncio.
Estéreis acordes
já não convidam à dança
às festividades da alma
à emoção do acalanto,
e uma invasora saudade
arranha as entranhas das
possibilidades.
Melodia encerrada?
Não. A vida faz apenas
uma pausa
e crava nas folhagens dos fatos
as suas irretocáveis verdades.
Desertos
Devorei a manhã
com a sede dos desertos
e, afoito, descurei sabores
e poemas que do teto vazavam.
Só mais tarde
alijado da minha
pretensão de pássaro
em voos cúmplices descobri
a diversidade de oásis
que os teus sentimentos guardavam.
Mandaria flores...
Mandaria flores
para Adalgisa -
“fosse ela a mulher
da minha vida’.
Recitaria para Lina,
Pessoa -
“apreciasse ela quem voa”.
Faria uma canção para Cristina,
singela -
“qual Chico para Florbela”.
Mas envio
flores para Anelise
funcionária da loja de
discos
com poemas de
Quintana -
“Ah, aqueles olhos
doidivanas...”
Momentos
I
Já tive fogo nas mãos
e vaga-lumes na garganta
e canções iluminadas
vazavam do meu peito
em chamas.
Foi um tempo de descobertas
em que a alma míope
não distinguia acertos
e dúvidas
futuro e instante.
E as noites eram
visões de luas
e a vida
um sonho constante.
II
O relógio arrebentou
as correntes
adormecidas sob a
paisagem
e foi um fremir de
folhas
(inundação de salivas ardentes)
na libertação das águas
represadas.
Do passado apenas
longínquos eflúvios
visita íntima
ao êxtase da alma
renovada.
Tempo
Já não planejo o futuro.
Afinal onde estará este enigma que
para alguns é oportunidade
para outros grito no escuro?
- na próxima esquina, no cruzamento entre sonhos e absurdo...
- no raio que partindo ao meio as expectativas destruirá minha mente ensandecida...
- na conta bancária que servirá para futuras discórdias e, eventualmente, prolongará a minha vida por alguns segundos...
- nas fazendas, prédios e posses outras onde pervagará a minha alma em outras vidas...
Todos os planejamentos sucumbiram ao peso
da dúvida:
- a bem sucedida família
- a profissão desejada
- a felicidade parida em delírios suicidas...
Algo deu errado,
quem inverteu os roteiros, alterou personagens?
Onde se lê - metas prioritárias
que se retifique para: pretensões descabidas
idolatrias ao vazio, desperdício de estradas...
Não maldirei as mazelas do fracasso...
- elas me fortificaram.
Não cantarei as vitórias
- já foram festejadas.
Mas, como viver o presente
se ele é apenas um instante
um flash , um grito meio ao nada?
Passado- presente-futuro
irmanados estão
em uma trama maquiavélica
num divertido jogo
onde seremos sempre perdedores
mesmo que nos sintamos poderosos
ao fim da jornada.
Não tentarei regressões
para tentar entender os meus pretensos
males
- já ocorreram os estragos!
Prefiro as transgressões
e a liberdade de sentir-me nesse plano
um oco suspiro
com prazo de validade
como esse pretensioso poema
inconsistente passado.
Nudez
A minha cidade está nua
de ideias
de mentes interessantes
desinteressadas da materialidade
efêmera e frívola.
Minha cidade mistura
fuligem com poesia
e cobra apelos patrióticos
como fosse justa a tarifa.
Minha cidade
Meu país
Meu dia...
Droga de poema exibicionista!
Luares
Os poemas são construídos
com a musicalidade da alma,
é prudente, pois, engravidar notas
multiplicar luares...
Seixo
Burilaste a pedra
fundamental
acomodada às margens
de uma visão lunar,
e seixo inseguro
desvendei pequenos rios
sem nunca atingir o mar.
O meu próximo poema:
- não exigirá comprometimento acirrado
com as gentilezas, mas que possamos
ao menos cumprimentar ao próximo, sem agredir o dia
- não reforçara veementemente as injustiças sociais,
mas lutará pela preservação da dignidade adquirida
- não se perderá em devaneios, escolas literárias,
sintetizará o que estiver sentindo
- não desprezará a luta dos ecologistas, mas que
aos homens sejam incorporadas quaisquer conquistas
- não haverá de garimpar adeptos às suas incontestes preciosidades
”oh, como são sofríveis estas terríveis manifestações de vaidade!”
- não estará impregnado do saudosismo infante
mas, às crianças dedicará indelével canto
- aos idosos será uma carta aberta de agradecimento
pelo muito que fizeram dantes...
O meu próximo poema
oh, que insano
empresta aos ventos as suas asas
e desaba sobre oceanos...
Cidades
Não nasci em Itabira
por isso ao invés de aço
a minha saudade visita
as ruas enfeitadas
na comemoração do Corpus Christi.
Não cresci em Alegrete
e impregnada a minha pele está
das ruas sem asfalto
das “peladas” nos terrenos baldios
no “Alto do Ginásio”, do “campo do Lapa”
lembranças que feito fuligem
escapam pelas chaminés do passado.
Gênese intacta
berço preservado
Matão cobra-me
fidelidade aos fatos.
Elevado à condição
de sertão macro
Sertãozinho observa
do poeta todos os passos.
Não resido em cidades
elas em mim se alojam
com suas essências, peculiaridades...
Matonense assumido
Sertanezino radicado
minha alma ainda abriga
em suspiros:
- Jaboticabal, Itabira, Alegrete, Goiás, Lambari...
e de todos os poemas
vestígios...
O preço do poema
I
Quanto vale o poema:
- nas frentes de batalha
- nas perdas irreparáveis
- na solidão que a alma talha?
Quanto vale o poema:
- aos nossos filhos drogados
- aos órfãos do destino
- aos desenganados?
O poema faz seu preço
ou o preço do poema
pelo tamanho da fome
é estipulado?
Quanto vale o poema:
- nas filas dos hospitais
- nas mutilações dos sonhos
- nas nossas guerras pessoais?
Quanto vale o poema:
- aos idosos desrespeitados
- às minorias esquecidas
- aos amantes desregrados?
O poema faz seu preço
ou deveras
estou enganado?
II
Quanto nos cobra o poema:
- por uma sinfonia de metáforas
- por uma visitação à alma
- por um deslumbre de voos?
Ou desapegado da matéria
doa-nos, ele, complacente
as suas inefáveis asas?
O preço do poema, senhores
é o poeta quem paga!
Metáforas do descaso
Opressoras palavras
que mal (ditas)
reverberam falácias:
- quanto vale uma corrompida
metáfora?
Opressora desigualdade
estampada nas crônicas
dos viadutos
nos cárceres das calçadas:
- quem acalentará os sonhos
ah, inevitável alvorada!
Opressora discriminação
pelo silencioso véu legalizada:
- mas, noite e dia não são adornos
de um único céu?
“Não sou alegre
nem sou triste...”
E no deserto da indiferença
entre opressores e oprimidos
a poesia, simplesmente,
resiste...